quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Km 169

Seria diferente se ele não tivesse ouvido a explosão. O barulho ensurdecedor de aço retorcendo. Os gritos desesperados.
Se a noite estava fria ou quente, se o vento estava aprazível, se micro-gotas tocariam seu rosto, não saberia dizer. A temperatura ambiente era de mais ou menos 19 graus, o que obrigava um casaco servindo de cobertor. O trajeto já conhecido enjova de se repetir na mesmice cíclica que são as rodovias, principalmente na claridade momentânea resultante da luz do farol. A poltrona 35, a penúltima ao lado direito, encostada à janela, era o seu lugar. Ao lado a outra cedia espaço a uma pequena mochila, que sempre carregava com ele.
Olhava ao lado de fora para saber onde estava. Kilômetro 169. Um balanço da luz do farol ao lado. Um ônibus desgovernado. O corpo não mais lhe pertence. Os pensamentos, também não. Não sabe se segura, se solta, se deita. Um caminhão parece surgir do meio da escuridão. E ele ouve o estrondo.
Seu corpo fora arremessado violentamente para a poltrona da frente, depois por cima dela, apertado entre o aço do teto e o assoalho. Ele não sabia ao certo onde começava seu corpo, o corpo do homem da poltrona da frente, aquele que incomodava a viagem inteira com a poltrona reclinada demais. Ou com o da senhora que não parara de falar no telefone na poltrona do lado. Também não sabia se a dor que sentia era suportável, se existia algum tipo de dor, se aquela perna perfurada era mesmo a sua, se conseguiria se mover. Ao contrário do restante do corpo, sua mente movia-se mais rápido do que o normal. Olhou para sua frente. Ninguém se mexia. Sabia que estava vivo. Só ele? Não sabia. Se moveu.
Aquele ônibus poderia explodir a qualquer momento. Sua mente focava na janela aberta pela pancada. Notara agora que o ônibus havia capotado, estando as rodas para o alto. Se rastejou, sentindo a dor que se assemelhava com a que acreditava que sentiria ao morrer. Aos passar pelo ferro contorcido, corpos misturados a bancos, sangue misturado ao plástico. Passava lentamente, mas não pensava nos possíveis corpos que poderiam estar abaixo dele. Segurava a algo, puxava seu corpo para a frente. A cada novo puxão, seu corpo chegava mais perto do buraco onde estava o vidro. Apoiou a mão no vão. Cortou a mão nos restos de vidro que estavam presos nas laterais da janela. Seu corpo desabou em cima dos cacos no chão. Alguns curiosos o olhavam assustados. Andou para lugar algum, sentou no chão. Pessoas vinham correndo para socorrê-lo. Tudo parecia estar mais lento. Em choque, não falava. Não lembrava de ninguém. E nem agradecia por estar vivo. Se sentou e mais nada.
E esperou...

2 comentários:

  1. quase cinematográfico! mas daquelas cenas sem trilha musical, q a crueza da situação já resolve tudo.. ah, acho q dá pra rever umas coisinhas ainda - o "poucos, mas horríveis", as vírgulas e as mudanças de tempo verbal - mas com certeza tá eficaz e o final é agonizante! parabéns, sansão!

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  2. adorei muito bom....a precisão dos detalhes... parabens ...

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