sábado, 25 de maio de 2013

Neblina

Enquanto estiverem molhados, marejados  esses olhos, há algo vivo que espera aí dentro. Essa vontade que te levanta numa madrugada fria, ela não pode ser apenas necessidade: ter que lavar o rosto numa pia suja ou numa pia de ouro, te avisam a mesma coisa. Há de se repensar enquanto ser. Motivo pra levantar, motivo. Viver é tarefa diária de autoconvencimento. Viver é tarefa sem sentido, de buscar recompensas. Um reforço positivo. Um pouco de ração pro espírito a cada choque. Daí que a gente vai sendo levado pela noção de qualquer coisa, e depois é cada um por si tendo pesadelo e imaginando a vida como algo significativo. Daí que a gente vive é pra acumular. Sozinho. Você e mais ninguém. Aproprio-me do que não pertence a ninguém, só pra dizer que tenho mais do que somente a mim. Bato, apanho. Viver é tarefa doída. Doida. Dormir 3 horas por dia, motivado pelo que? Ler um bom livro? Comer em um Restaurante mais caro? E o arroz? E a carne moída? E quando você, criança, chorava por que você queria um Yakult? Hoje ele tá ali, na altura das suas mãos. Seu dinheiro compra cada vez mais coisa. O que te dói? Por que você tem medo? Agora sozinho, você ensina. Daí que você vai ganhando gosto pela coisa, não é? Deixa esse brilho se manter, essa vivacidade, que a Neblina espessa que cobre o vale da janela do ônibus, você que veio da cidade grande, vai te molhar os olhos. Você entende uma nova língua? Que mundo é esse que te faz querer acordar? O que ele tem de diferente de outros Mundos? Eu era uma criança preocupada com o mundo. Quando eu descobri que o dinheiro ia perder zeros, chorei. No fundo sempre tive medo do Real. Daí que a gente saiu com o coração partido, com gente te contando que o mundo era grande. Você, patético, acreditou. E agora, não consegue mais parar. Aquele diploma, aquela viagem. No fundo, molhar o rosto e olhar pro espelho não pode ser deixado de lado, como lição automatizada, stand by cerebral. Eu sempre me olho no espelho enxergando cada camada, até desaparecer. Vou olhando mais fundo e mais fundo pra me ver. Aquele menino imaginativo que foi indo pro mundo, hoje chora por poder ensinar. Ele encontrou seu motivo. Ele acorda com dificuldade, como todo mundo que quer continuar na cama. Daí que ele vai despertando e 5 minutos depois ele já pensou em umas 20 coisas que o deixam feliz. A gente mente tanto pra gente que chega a se convencer! Eu, o menino, você, levantamos e colocamos nossa máscara mais bonita, só pra deixar o teatro do dia mais gracioso. Em cena, com os textos decorados, vamos encenando. E aí, quando a luz apaga, é triste. Eu não me lembro da última vez que eu fiz uma coisa própria da minha personalidade. Mas eu posso ensinar alguém. Se eu te contar como o mundo é grande, você jura que olha pela janela pra conhecê-lo? Promete pra mim que põe a cara pra fora, só pra sentir essa brisa? Não deixa essas bobagens te deixarem pra baixo? É pra ter lógica mesmo não. Deixa que o matemático acredite nisso. Você pode saber a verdade. Ela é única e ninguém a conhece e é aí que está a beleza. Mas você só a merece olhando pra fora, levando o cachorro pra passear. Aquele menino viu e se assustou. Mãe, me espera? Quando eu voltar eu vou ser um homem. Você espera? Eu espero. Enquanto meus olhos brilhosos enxergarem, mesmo que embaçada, essa luz por dentre a neblina da alma.