quarta-feira, 30 de junho de 2010

Um segundo

Enquanto as sombras cobriam aqueles dois olhos castanhos e ofuscavam sua vermelhidão, aquele nariz com ponta circular, traços finos, com a boca pequena, lábios duros, pele branca meio corada de Sol, a luz mostrava um corpo magro, muito magro, de uma fineza que parecia fazer quebrar ao toque. Não sou lá muito bom em detalhamentos, nem perito em descrever pessoas. Tanto que essa descrição não faria nem a Cia encontrar a tal pessoa baseado nisso que digo. Mas o que tento explicar é que era algo entre o masculino e o feminino, entre a leveza feminina e a incurvilinidade masculina. Essa cena coberta entre as sombras, ao se afastar mais para a direita mostrava, pela mesma luz que iluminava parte daquele corpo, uma cadeira de madeira marrom com jeito de casa de vó. Completando a cena, uma mesa de canto e um telefone, um sofá vermelho com um controle remoto e uma almofada preta pequena, além de um lápis e uma folha. Esses eram os objetos da esquerda. Nas sombras estava a televisão desligada, um aparelho de DVD e um toca-disco. Em cima, um livro de Goethe, outro de Drummond e umas tiras do Calvin, em livro. Mas isso tudo encoberto pela escuridão. Continuando o momento escolhido por mim, notem o espelho. Barroquices a parte, o espelho mostra uma segunda pessoa. Mostraria se luz tivesse, portanto, segue a como seria. Mais visível que a primeira, mais sem mais descrições por minha parte no momento. Ainda se notava o outro sofá, maior que o primeiro, mas não se observava o que havia de objetos. Mas, haviam mais livros e um Ipod com fone de ouvido. A luz vinha de um abajour que enfeitava a parede que a primeira forma observava, próximo à janela. A luz ficava por trás da segunda pessoa de pé, que seria apenas um espectro pelo espelho. Era um apartamento. Do lado de fora da janela via-se uma noite meio vazia de luz. Nem Lua, nem estrela, meio nuvem, meio jeito de céu mal pintado por criança preguiçosa. Desço a cena alguns andares. Aliás, vou passando andar por andar. Nada de interessante noto. Só TV ligada e a sagrada reunião em torno. Chego no chão. Lá se percebe um carro parado, cor preta e uma luz que pisca vermelha no para-brisa. Deve ser do alarme. Mas a cena parada não mostra a continuidade da luz. Há uma outra que vem de um caminhão de lixo que passa pela rua que apertou o freio naquele instante, e a intensa luz vermelha veio bater no vidro do carro. Se misturam com um sinal vermelho na esquina onde passam carros. Agora não mais. Há um branco e um prata parados nesse farol, mas suas visões são bloqueadas pelo caminhão. Isso se observando de dentro do carro preto. A cena anda. Poucos segundos. Agora o rosto também se mostra tenho que mudar o foco e mostrar o rosto que vimos apenas no espelho. Rosto de senhora em começo de feira, normal. Corpo de casada, mãe bem mãe, que cozinha e que passa, que não corre nem anda, que não é gorda, nem anoréxica. Corpo médio. De mãe, oras. Os passos que ela dá são em direção a um objeto ainda não citado na cena. Estava no chão. Era um batom. Cor vermelho, flutua na mão da senhora. Vai em direção das fina forma. Nota-se agora naquela figura algo de menina. O corpo era grande e fino. Mas é mesmo uma menina, não passa de 13 anos. O batom é entregue a filha. As lágrimas que estavam a meio dedo dos lábios da menina em minha primeira descrição, agora já pingavam da face, enquanto cessavam dos olhos. As duas se olhavam de olhos atentos. Os carros lá de baixo voltavam ao barulho normal, o vermelho já se tornara verde e a tal luz no vidro piscava. O lixo já havia sido recolhido. Depois que pegou o batom e foi beijada, foi em direção a uma escrivaninha situada perto do abajour, que não antes descrevi por questão estilística. De dentro da gaveta saiu um notebook. Do outro lado da sala, a mãe pegou o livro que estava em cima do toca-disco. Pegou o papel e o lápis no sofá e escreveu: "Hoje minha filha ganhou seu primeiro batom. Se assustou com a ideia de crescer. Arremessou-o ao chão e disse que não queria ser mulher. Seu corpo era diferente aos das outras meninas. Era sem graça. Sem açúcar. Sem curvas. Daí disse o que ela precisava ouvir. Tivemos daquelas eternidades que duram segundos. Voltarei ao meu Drummond. Estou feliz demais pra ler aquelas cartas tristes daquele rapaz. Espero que esteja bem, meu amor. Com carinho... sua esposa". Se levantou e abriu uma gaveta embaixo da televisão, colocou o papel onde via-se pelo menos mais 20 iguais a esses, é claro, com diferentes conteúdos. O que ela disse para menina? Algo dessas coisas que diz mãe que dão aqueles baques tão baquentos. Aliás, a cena que acompanhou foi essa pequena eternidade. Sabe aquele segundo que gostaríamos de levar para a vida inteira? Sabe aquele momento que nunca se esquece e que a gente nem lembra como foi? A vida é a soma de um monte deles. As cartas eram pro pai, que trabalhava e vinha uma vez por mês. Ela as escrevia para lembrar de tudo que passara durante seus dias ausentes. A menina, no outro canto nem sonhava com isso. Abriu sua página pessoal na internet. A luz já tomara conta de toda a sala, e do espelho a mãe conseguiu ler: "Uma mulher". O vermelho nos lábios da menina foi mais um detalhe entre as vermelhices daquela noite. Criança preguiçosa gosta de cor. E sabe de cor como dar o toque final. Daí a cena corre... e acaba.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O que há de menor

Aumentam-se as vitórias e na mesma proporção, as doenças do ser. Durante um período longo da vida não tinha nada. Ao ganhar, me senti menor. Antes era o que não tinha assim como muitos. Agora era o que tinha menos entre os que tinham. Busquei ter mais. Trabalhava todo dia, ganhava pouco, estudava pouco. Cresci nos negócios, ganhei meu dinheiro. Mas ainda vivia uma vida de classe baixa. Era a elite de quem não tinha nada. Quis mudar. Estudei mais. Me tornei um universitário. Era bolsista. A empresa era minha. As coisas iam bem. Era grande, a empresa ainda pequena. Estava entre os melhores no meio dos menores. Quis ser grande. Me engoliram. Quis mudar de cidade. Mudei de ares. Mudei de curso. Fui para uma grande universidade. Morava bem. Era um pequeno chegando entre grandes. Era Classe C ou B. Era o pior entre os melhores. E assim a vida caminha. É assim que as coisas andam. Me contaram que parado não sinto que estou preso. Mas se sempre estou preso, não era aqui que eu deveria ficar? Como dói lutar. Como incomoda crescer. Acho que como comentaram, sou parte de uma geração que não sabe crescer. Que tem tudo na mão. E mesmo pra quem não tem nada, tem muito. E não me venham dizer que são imposições capitalistas, não. Estou tão dentro quanto todos. Discutir conceitos sócio-econômicos-psico-somáticos as 4 da manhã em uma madrugada onde a morfologia deveria ser sua companheira de trabalho demonstra o quanto é difícil conviver com as coisas. Todas elas. 
Acho que esse desabafo me bota de novo na ativa. Tenho passado meus dias lutando. Esqueci um pouco dos meus sonhos mais impossíveis. Aprender a escrever é um deles. Portanto, sem comentários nesse texto dizendo que não gostam dessa estilística. São pouco Guimaranianos.
Faço meu back-up mental pois não ando muito vazio. HD cheio. Ideias embaralhadas. Corpo doído. Tenso. Confusões mentais. Ociosidade morta. Leio pouco, escrevo nada. Dou algumas aulas, meus projetos me empolgam. Não tenho tempo pra comer direito. Não tenho saco pra dormir. Não tenho paciência nem mesmo pro trabalho. Senti as amarras e não gostei. Me de o conforto da minha fria prisão, escondido sozinho. Com "belas manhãs", "sorrisos de criança", "belos sonhos", porque pensar a vida toda pra pensar numa obra (que aliás é a própria vida) e ser motivo de riso, ser alvo de comentários ácidos, ser considerado egocêntrico, egoísta, intrometido, folgado, ganancioso, e um encaralhado de adjetivos desse peso não está nos meus planos. Aliás, está nos meus planos esquecê-los. Todos eles. Dar mais uma pausa gigante. Acho que é por isso que não termino nada do que começo. Porque deve ser muito chato subir mais um degrau. Depois do meu primeiro livros, terei eu que escrever outros melhores? Depois do meu primeiro milhão, não haverá torcida pra que eu o perca? E como ganharei o segundo? Não serei o menos rico entre os ricos? Cansei da disputa. Cansei de tudo. Olhou pra mim atravesse a rua. Atravessou, corra. Ando feliz. Com o que, não importa. Já basta de olho grande. Pois de resto, dava pra ser grande, se não estivesse entre o que há de menor. 

domingo, 20 de junho de 2010

A nauseante flor contemporânea

Por entre os olhos jovens da minha geração
Vejo um olhar meio cínico que tenta contornar
Tudo que de chato as lutas velhas almejavam
Que sem sorte, tentaram e ferraram esse lugar

Nasci em meio ao fim do sonho

Meio fio histórico, vitória da lenta luta
Lida hoje por olhos sedentos do sangue de qualquer luta
Buscando algo que eu acredite, entende? Algo de luta
Olho de quem nunca enxergará (destino filho da puta)

Nasci em meio ao marasmo histórico

Hoje as ruas estão cobertas de flores
Que nem sei mais se são realmente feias
E nem ao certo se são realmente flores
Mas não se diferem nem das flores, nem das feias

Nasci em meio à nova onda desacreditada

A ditadura era quase uma antiga realidade
A democracia era uma quase nova realidade
Que de real e de verdade, não houve, ora, hora certa
Nem mesmo algo que realmente tenha dado certo

Nasci em meio à revoltados pós-revolucionários

Hoje se criam revolucionisses pra ver se cola
Criam-se novos estilo musicais e literários pra ver se cola
Repetem-se os mesmos erros dentro e fora da escola
Colam-se as provas, as citações, crimes aprendidos na escola
(e merece uma breve quebra revoluciosa [pra ver se cola]
que em brasília [em minúsculas] o crime tem feito escola) 
                                                                                           [Amém]

Nasci em meio à era democratizante, descentralizante, neoliberalizante

Cortaram uma flor cinza que nasceu no coração de um jardim florido
Aprendemos a fazer certo, (errado) mas sempre florido
Cortaram a tal flor, que era mortal, em meio ao florido meio nacional (florido)
E entre vitórias, revoltas e paralisações, continuo sempre fudido

Nasci em meio à mesmice cíclica do não ter o que dizer...

Por isso, sem fôlego, escrevo por escrever
Discuto por discutir
Me faço eufêmico pra não ferir
Conto pequenas inverdades pra não mentir

Nasci em meio ao tédio teórico. 

Ou me entrego ao nostalgismo dos clássicos literários
Ou me entrego ao clássico ostracismo literário