Imagine vilarejo sem nada, abandonado por Deus - Sarava - longe das florestas e d'água, árido, seco, chão de pedra, pouca gente e bicho, onde quase nada que planta dá. Lá nasceu Gertrudes, filha de Narcisa, esposa do finado Zé Caldeira. Veio do nada pra capital, onde a vida é mais bela. Já nasceu ouvindo histórias da atriz Narcisa, sua mãe, com grandes rodas do lado de fora do Theatro Municipal. Assim, vivia sua infância pelo mundo. Foi pra tudo quanto é canto, da Groelândia à Disneilândia, dos Subsarianos aos Marcianos. Só imaginando.
O maior tesouro que tinha era uma caixa grande. Um Baú. Era de onde saíam todas as histórias. Baú com tantas histórias pra contar, com tantos lugares pra visitar, tinha mesmo é que ser trancado a sete chaves. E era assim que era. Como plantar era difícil e água contabilizada, os alimentos eram esses. Mas todo mundo morre e com Narcisa não foi diferente. Estava em cena, quando leões em meio a mata nativa angolana mordiscaram-na. Estavam com fome, assim como ela. Caiu em cena e nunca mais levantou.
E como morar com madrasta do mal não combina com carnaval, foi morar em uma tribo, lugar que chegou do nada em meio à fuga desembestada.
Cresceu em meio a Pigmeus anglosaxões em floresta na Idade Média. Lá aprendeu a caminhar sobre o mundo a passos de gigante. Passos que passam, eis que tropica em caixa grande. O tesouro. Estava perto de onde caíra o corpo de Narcisa e Gertrudes já nem se lembrava. Apagava com subjetividades e passeios. Trancado. As chaves estavam perdidas longe dali, em algum canto longínquo.
Piscou os olhos, bateu os calcanhares e chegou à antiga casa. Abriu a gaveta (agora enquanto a criança que ainda era) e pegou as sete chaves. Abriu um a um os sete cadeados.
O baú escancarado berrava para a moça que viveu entre pigmeus, pois viver entre anões era fábula de criança-mundo.
Conhecia todo canto, todo conto. Lembrava de todas as viagens com Narcisa. Menos uma:
Pano rosa com palmeiras e animais e pavões e flores, pano grande e leve, pano com pontas. Chapéu com cara de cobra que comeu elefante (imagem poética de criança-mundo). Círculo roxo, coisa de enfeite de braço de mulher-cidade, de boneca urbana. Lembrou.
Eram coisas de praia. Mulher-cidade nunca usava na rua. Roupa de praia. Moda praia. Imagem poética de mulher-cidade.
Praia? Nunca viu o mar! Não sabia chegar a passos de gigante lá. Era tão inalcançável, tão grandiosamente desejável. Era água demais. Ela que sempre viu água nunca. Água pouca. Água implorada em copo americano.
Andou dias segurando em Sol torradreira, imagem poética que desconhece Gertrudes, os objetos do tesouro. Foram semanas. Parava em alguma casa, pedia comida como criança e andava. Chegou a pegar carona, enquanto moça, com aves e cachorros e minhocas. E chegou.
À sua frente, da moça grande que andava sobre mapas, o mar. Gigantesco, ondulento, mareoso.
Para nós que não vemos as histórias e nem baús gritantes e nem pigmeus medievais e nem leões mordiscadores, a cena que se via era a de uma menina raquítica, com corpo de morte, pequena, da pequenês pigmeutica, 8 anos. Estirando canga velha, empoeirada, que se senta em cima, com um chapéu amarelo amarelado, que de grande cobre os olhos e um bracelete que chegava ao seu ombro. Desejo de menina-metrópole que pega o sapato da mãe. Sentada admirando o infinito mar. Mar de gente, praia de concreto, segurando um saco na mão direita, olhos vazios.
putz, incrível!!!
ResponderExcluirpra variar mais um final inesperado ;) genial!
Mais uma produção da aula de roteiro hahaha
ResponderExcluirMaaaassaa =)
uaaaaaau! não estou certa se captei tudo, (prováveis influências de Macunaíma que desconheço) mas curti muito esse estilo, construções de frases, do personagem. show de bola, senhor Sansão!!
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