Abandonei o balé. Até meu cigarro anda um tédio. Meu marido diz que pareço bem, mas ele mesmo anda pelas ruas a olhar outras mulheres mais novas. Minhas amigas vivem a me chamar para tomar uísque e falar besteira. Elas me enchem com putarias que não tenho mais saco pra ouvir. Abandonei a rua. Minha casa é meu país. Sou bairrista. Sou fã do meu piano de calda, da minha cozinha. Ouço Elis o dia todo e me acabo cantando sozinha quando, é claro, estou sozinha. Meus filhos hoje tem 14 e 16. Vivem na casa dos amigos correndo por aí. Queria um condomínio por ser mais seguro, está aí: tão seguro que na casa não fica ninguém. A minha segurança está garantida pelos muros da minha casa.
Abandonei a ralé. Tinha família pobre, que nem sei se viveram. Casei bem, graças a Deus. Hoje o meu palacete é um sonho, e de pobre tenho uma de extimação que lava e cozinha. Adoro ela. Me faz ver como é bom ser melhor que os outros.
Abandonei tudo e todos. Já nem ligo para as prostitutas que sei que satisfazem meu marido por quantias quaisquer. Se elas se acham espertas, não me conhecem. Vivem a dar por mixarias. Vivo bem com um homem só, que me da muito amor. Muito mesmo! Outro dia me veio com um brinco que brilhava mais que a panela que a Lourdes lava. Se não me amasse não me compraria presentes tão caros. Amor e ostentação andam lado a lado. Amo cada peça de roupa, cada sapato. Cada ato pensado, comprado.
Abandonei-me.
Só, sinto como rugas no cérebro. Não penso, nem sinto, nem nada. É por isso que hoje vou dar para o máximo de pedreiros que eu puder. Fazer coisas que nunca fiz com ele.
Só pra ver se me animo...
Bom texto.
ResponderExcluirComo seria esse "piano de calda"?
Preto com letras douradas... um vaso de flores em cima... um enfeite... e só!
ResponderExcluirFantástico :)
ResponderExcluirMas é de calda mesmo ou de cauda?
ResponderExcluircalda com "L" tem o valor de sabor... uma cobertura decorativa, como a do sorvete...
ResponderExcluirTanto melhor.
ResponderExcluir