Incerto ao seus ouvidos o que de nada há para ele. Insonoro sopro divino, musical. Sonso, sem ser santo. O som. Tentara tantas e tantas vezes explicar sem sucesso. Desde que nasceu, quando ainda em primeira infância ou já quando na escola via meninos e meninas se balançando motivados por algo que os unia. De lado, olhando para um amigo, gesticulou para saber o que era aquilo. Chegando em casa, se lia nos gestos daquela mãe mais uma vez:
" Filho.Tantas vezes já lhe disse. A música é um som. Não há como explicar."
Lágrimas, nem tantas, mas doídas. Como que algo assim não se explica? Sentindo nojo de si, correu e sentou ao lado do irmão. Esse também entendia os textos gesticulados, cada pontuação facial, cada elevação de tom das vozes corporais.
" Posso tentar explicar. Mas acho que não vai sentir o que é."
Pegou uma folha e um lápis. Ligou o som e rabiscava de acordo com o que, dizia ele, sentia ser a música. Ao terminar, a folha rabiscada foi destacada do caderno e observada por coisa de dias. E assim continuou.
Todo dia da vida, vidrado de tatear tácito vento trazente da música. Tentava triste, buscava e rebuscava cada novo conceito. Quando velho, já entendente das coisas, com teses acadêmicas sobre música e surdez, e coisas da vez, conheceu um menino sem som. Visível.
Se balançava como meninos e meninas que se lembrava. Algo o motivava. Era levado de alguma forma, mas não tinha poder para aquilo. Em gestos, os textos foram esses:
" Meu menino, o que está fazendo? "
" Estou dançando."
" Qual música? "
" A que está tocando agora. Não sente? "
" A música? Sentir? E como você ouve? "
" Sabe que não ouço. Sinto. "
" Então me diga, o que sente? "
" Isso."
Manteve-se balançando. Olhos vidrados no céu. Não bem som, mas naquela tarde sentiu o que para ele, seriam algumas notas musicais. A água que desceu do rosto do homem que aprendeu com o menino sobre música, molhou nem meio palmo de chão. Mas a música que ouviu naquele dia fez com que o chão se abrisse, o céu se abrisse. Som com sentido, sentido.