sexta-feira, 29 de maio de 2009
Engenhoca
Ao se mover para trás, o martelo comprime uma mola tensionada. No mesmo instante, algo faz com que o cilindro gire, o que posiciona a catraca para a próxima câmara. Em poucos milésimos a mola comprimida impulsiona o martelo. O martelo gera faíscas que liberam um gás. O gás liberado queima o propulsor. Finalmente, a pressão do gás impele a bala para fora do cano, e o dono do dedo que apertou o gatilho tem as mãos suadas, pequenas, dedos feios com as unhas roídas. Um simples desnorte trouxe a morte para si. Foi naquele dia quando sua tia gritou “Seu Inútil”. Ou foi também quando, de dentro da escola, sua mais linda professora balbuciou “Seu burro”? Ou pode ter sido no dia que o pai falou “Imprestável”? Coisas de adulto. Mas quando se é velho demais para aceitar, quando se é novo demais para sentir, os nervos a “flor da pele” recriam a “flor da idade”, e se fecham num botão. Botaram aos bocados em sua mente as verdades deprimentes de se ser adulto. Fecharam as possibilidades, abriram seu cérebro e despejaram o que quiseram. As cenas iam passando velozes, o ciclo havia se fechado. Não aceitou em nenhum momento ser assim. A bala já ultrapassara dois terços de cano. Mais do que havia vivido o menino. Dois terços para duas tristes senhoras, sentadas num canto da igreja, concentradas no canto do padre, para poderem quem sabe dar um cantinho no céu para aquele jovem menino. Dois terços de jovens que passam alguns poucos anos ouvindo bobagens dos mais velhos, para se sentirem adultos demais, para serem responsáveis demais, para crescerem rápido demais, fazendo coisas demais. E tudo é demais nessa idade. Legal demais, difícil também. Há mais, muito mais de dois terços de crianças sentadas em salas de psicólogas falando como adultos, dos problemas dos adultos. A bala não pertence mais ao cano, nem a arma, nem ao dedo, nem ao dono da arma, o pai do menino. Pertence ao ar. O mesmo ar que conseguimos todo dia tornar mais pesado, mais denso, mais completo. Que descobrimos suas partículas mais mínimas, mais complexas. E vai se tornar pensamento. Mais um naquela cabeça jovem e tão experiente, infantil e tão madura. Da escola pra natação, da natação pro inglês, do inglês pro judô, do judô pro Kumon, do Kumon para as aulas de reforço, do reforço pro piano, do piano ao seu quarto. No seu quarto sua mãe apaga a luz e vai embora. No seu quarto seu pai mais um dia não entra. Do seu quarto ao quarto de seus pais, no quarto de seus pais o armário, do armário sai a arma. A mesma parada a centímetros da cabeça daquele menino. O beijo da bala foi dado. Foi até bom. Aos 13 anos, a vida realmente era dura demais.
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Foda, Foda, Foda!
ResponderExcluirParabéns, ficou do caralho.
Desculpe tantos palavrões, mas quando realmente precisamos dar ênfase as coisas usamos esse tipo de palavras. rs
Mais uma vez, Parabéns!
Realmente, aos 13 anos a vida é dura demais. Ou melhor, começa a ficar pesada demais e psicologicamente ainda não temos força pra segurar.
ResponderExcluirFico maravilhoso! :D
Já me tornei sua fã naquelas horinhas de conversa e mantenho isso!!
Parabéns!!
Eu concordo com vc qndo disse q esse era seu melhor texto...
ResponderExcluirMuito bom msm..
ABSSSS