quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fio de ouro

Fracassei. Vi nos olhos dos meus familiares. Esposa, filhos... Vi nas lágrimas. Cada gota batia surda, aos outros. Corpo humano, granizo, para mim. Sentado estava eu. Velho, vivido, bem-sucedido. Passos planejados, articulados, estratégicos, arraigantes, no alto. Tive finezas, sucessos. Não me faltou glamour. Bem nascido, não escuso, casado com mulher de bairro nobre, com casa grande no Guedala. Três filhos. Providos e brotados a fio de ouro. Estudaram no Porto. Treinavam tênis, golfe, a porra toda que quisessem. Dois pianistas e um violinista. Se o Apocalipse destruisse a Terra inteira, exceto o condomínio em que morávamos, ninguém sentiria falta de nada. Piscina? Isso tinha no meu quintal! Tô falando de coisa que não viu nem no horário nobre, quando a Globo quer impressionar. Disney? Quase uma vez por mês. Depois de velhos, Europa. Em semana de pressão na escola, saiam ora ou outra para relaxar pelas bandas da América do Sul (máximo central). Dei porra de roupa de marca. Loja de departamento para eles era o inferno. Contava histórias que haviam monstros lá dentro. Não queria rebento meu vestindo C&A. Disseram que o mais novo um dia chorou com a Vilma (a babá)  ao passar na porta. Aberração disforme, dei impressão de pior que inferno. Justo. Cartão livre. A fatura enobrecida de zeros. E reclamei? Não. Me calava ambicionando adversativisar. Dava o que queriam. A todos. 
Que pai, me diga, não tencionaria obter, de presente, ao menos respeito por tudo isso? Nutrissem-se ricos, era o bastante. Porra, não lutei tanto pra ter filho professor! Não aceito. Dei opções. As clássicas. Se não médico, engenheiro, vai ser o que? Dançarino? Escritor? Que escolhessem. Já sabiam das imposições, das regras. Discordantes, era de lá pras escolas dos faveladinhos. Paraisópolis era logo ali! Já avisava, oras. Pra entrar em qualquer curso, precisa de escola boa? Universidade boa? Hein? Investi. Esperava um retorno. Comigo foi assim, porra! 
Um chegou no ensino médio brilhante. Terminou-o com louvor. Medicina na Pinheiros. Ganhou carro. Era uma bonificação merecida. Um Mitsubish fudido, um puta carro. O muleque não parecia feliz. Questiona-se, ao certo, tanto quanto eu, como não estava feliz! Tinha tudo! Tudo! Tudo e mais! Tudo mesmo! 
Voltando dirigindo pra casa, bêbado, drogado, hoje, às 2 da manhã, morreu.

4 comentários:

  1. minha nossa, haja folego!
    estava mesmo com saudade de te ler!
    parabens menino!!

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  2. Muito bom! Como posso receber esse maravilhoso texto?
    Zé Carlos

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  3. Olá Zé Carlos... Um ctrl v + ctrl c faz com que vc possa receber o texto! Não se esqueça apenas de dizer de quem é o texto! Mas fique a vontade!

    Muito obrigado pela crítica! Fico muito feliz por gostar! E posto a resposta aqui torcendo para que vc possa vê-la, já que não tinha nenhum contato seu...

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  4. Nossa! E não é que é assim mesmo?

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