Sim, claro que eu me lembro de sorrir as vezes.
É divertido, garanto. É que a gente fica indo e indo. Queria ter mais tempo, pra não ter que sempre ir. Parar e deitar ou correr sem lugar, uns dias, só pra variar. Não ter que ficar olhando a estrada e a balança. Seus buracos, suas pedras e meus e-mails. E se tem lombadas, se é mão dupla ou se o sapato combina com o Chapéu. Se a velocidade está adequada e se estou infartando. Queria poder, lentamente, olhar pela janela e ver um astronauta na nuvem ou um buraco de cobra ou que fosse uma formiga carregando pedras, tanto faz. Por que não? No fim dessa estrada cheia de paradas e parábolas, pirambolas e prostitutas, está, acredite, o fim.
Para que somos viciados em Prosperar? Mas isso pode esperar? Pode? Tenho inveja daqueles que abandonam aquilo que lhes dá segurança. Talvez eles estejam "piores", ganhem menos dinheiro. Mas eles vão e torram toda essa grana, toda essa gana. E eu ali, mentindo e criando inimigos, e brigando e ouvindo intrigas, e lutando contra monstros imunes, gente poderosa e burra. Nada mais poderoso que poder e burrice. É mais perigoso que poder e inteligência. É mais perigoso que poder e qualquer coisa. No fim a gente fica fingindo e todo mundo finge e é assim. Fico me mordendo pra ver o mundo, mas a dor do peso da responsabilidade cada vez maior imposta por ninguém além de mim, nada além das minhas escolhas, me trava. E daí que vou me doutrinando para ser mais paciente, sendo doutrinado para ser menos ansioso.
Quando foi que meu frio na barriga virou uma Gastrite? Quando que aquela vontade de fazer tudo de uma vez me deu vertigem e falta de ar?
Ar, penoso ar. Dificultado, pesado. Aperta o peito burro que sustenta essa máquina frágil. Ah, por que a gente não pensa e ponto? Por que sente? Tem dó! Sem som, o ruído é detectável por exames, oras. Tem estado bem e buscado o mal. Por que destruir-se? Não gosta da vida? Não entendeu o que ela representa? Pode ficar triste de vez em quando, mas daí ferir-se? Como ainda faz isso? Não percebeu que ao enfraquecer-se torna-se fraco? Não notou em nenhum minuto o quanto isso é burro? Sofre um monte, se irrita, faz parte. Mas é só. é A sua mania de ser novelístico. Busca Drama na vida e quer ser realístico no que cria. Nisso tudo se esquece que você não é, acredite, o centro do mundo. Não está em um palco sendo aplaudido. Nem estará quando estiver. "Divirta-me e vá embora. Pro inferno você e essas bobagens".
Quando foi que aquela vontade boa de chegar aquele dia, aquela insônia boa onde de noite se pisca e acorda, pois sabe que amanhã é dia de Zoológico, virou uma pílula dentro de uma caixa controlada e sua faixa preta?
Eu não sei. E eu sei que não sei. Daí que vem aquela vontade de ir se tornando cada dia mais jovem. Mas além de impossível, se corre o risco de ir se tornando ridículo. "Você não será bonito por muito mais tempo".
E precisamos nos preocupar com isso? Com que se preocupar então? Pra que se pré com qualquer coisa se já ando tão ocupado?
E me policio e me policiam. E que droga! Que droga? E eu tentando me lembrar de sorrir, mesmo sem ser de propósito ou com propósito. Eu te garanto, mesmo sem ter muita certeza, que isso sempre pode, quando dá, fazer bem pra alguém. Não que isso importe tanto, ou que algo precise ser importante. Mas logo mais é pegar o canudo, jogar ele pro alto e ver se ele te puxa em direção à Lua. Há dias que a noite sorri pra mim e eu não sorrio de volta pra noite.
E isso deve ser um problema. Afinal, quando a gente é adulto, tudo meio que é um problema, né?