Eu tenho quatro ou cinco coisas pra dizer agora. Vou falando lentamente e se eu passar do ponto, me avise, me aponte. Queria ter ânimo e vontade para falar de política como falam os cronistas. Ser crítico, pessimista. Eu não: sempre ao contrário do discurso comum, anunciava aos quatro ventos que nosso país seria grandioso, uma economia forte. Acertei. Mas daí que continuamos sendo feitos de palhaços. É como se aquela empresa que a gente trabalha nos motivasse mostrando o quanto lucrou ou anda lucrando. A gente só queria mais comida no prato. Queria sobremesa.
Queria falar desse revoltante momento, mas seria só mais um. Dia desses a UNICEF mandou avisar que "likes don't save lives". Meus textos também não, nem os de ninguém. Concordo com a UNICEF, concordo com quem reclama da política, concordo com quem se expõe no conforto da sua casa: dos que apontam o dedo na sua cara aos que não fazem ao menos isso, somos todos alguém querendo algo para nos tornamos maiores. Ponto. A UNICEF mandou bem e encontrou uma frase de efeito para conseguir mais doações. Tomará que lá "Money save lives". Aqui não acreditaria tanto não.
Daí que a gente vai envelhecendo e o tom vai mudando: ainda sou jovem, eu sei. Ainda vou mudar muito, ao que parece. Mas no desconforto do que vivo hoje, assumo que o discurso não se torna mais alienado, decepcionado. Ele só ganha em possibilidade de realização. Foge do âmbito do sonho, pairando pelos campos do possível. Ou seja, se você não tem coragem de pegar em armas, pegue a pena. Pegue o mouse. Pegue a criança. Pegue o vizinho. E faça alguém ter dor de cabeça com tanta minhoca que você coloca lá dentro. Sacuda esses pensamentos e os torne tão densos, que pensar será tarefa dolorida como deve ser. Confunda-os. Trame. Quem sabe assim, todo mundo com a cabeça bagunçada, a gente não consiga mudar as próximas gerações. É menos difícil que pegar em armas e mais possível que puros idealismos imediatistas, né? Mudar as próximas gerações, esse é um sonho mais possível.
Dessa não há esperança. Estava vendo, dia desses, a entrevista do Geraldo Vandré. Ele não dizia nada de novo. Mas era triste com essa situação (essa que a gente tá vivendo). A gente batendo a cabeça esperando aplausos, enquanto alguém que paga alguém, te apresenta esse alguém e lá está você, aplaudindo de pé. Pois, a tristeza dele, que se escondeu durante muito tempo, é a dos que batem a cabeça.
Já disse que os médicos deveriam receitar novas dietas, que incluíssem mais música, menos produtos artificiais. Mais arte e menos transgênicos. Mais poesia e menos antidepressivos. Mais dor de cabeça e menos Novalgina.
A gente deveria fazer manifestações pela arte. Deveria, aos poucos, ir fazendo a nossa parte. Mas o nosso umbigo... ele é tão grande e o mundo tão insignificante.
Queria saber usar ponto e vírgula. Queria que a gente saísse da ignorância, empunhássemos armas (as que tivéssemos) e saíssemos pelas ruas em busca de justiça. E que as pessoas fossem juntas, de mãos dadas, pelas ruas e pelas avenidas e pelas cidades. Que não fossem apenas meia dúzia com outros se rindo: queria que a empregada doméstica, o pintor, o funkeiro, o ceo, o atendente, a telefonista, a dona de casa, o gerente, o caseiro, o vereador, o padre, o buda, o carpinteiro, todos soubessem por que estariam andando. Queria que a motivação não fosse a revolta e nem a justiça: fosse a melhora. Uma caminhada que aos poucos iria ganhando força e ligaria cidades e estados. Que esvaziassem os edifícios, que pisoteassem o barro os sapatos caros e os pés descalços, lado a lado. E ao chegar em Brasília, envergonhados, viessem ministros e deputados e a gente toda dessem as mãos, de bochechas vermelhas sem darem explicações ou se defenderem. Daí juntos, no abraçaríamos, pediríamos desculpas e iríamos para nossas casas, em caminhadas que demorariam meses. Mas nada importaria: com as almas lavadas, recomeçaríamos fazendo tudo direito. Com cada um exercendo o papel que deveria sempre ter exercido. Daí que os ricos continuariam ricos, os pobres continuariam pobres, mas a gente não teria mais que ser obrigado a aturar um montão de coisas. Pensar, daí, ia ser coisa boa. A gente ia olhar pro lado e ver outra pessoa e ia ficar com vergonha de pisar nela. Com o tempo, a gente ia crescendo e o país virando um exemplo.
Mas como disse, não sei usar ponto e vírgula. Não sei escrever textos sólidos, crônicas verdadeiras. No fim, sou ainda jovem demais pra perder a esperança.